domingo, 5 de setembro de 2010

CONGRESSO DOS VENTOS (Joaquim Cardozo)

Na várzea extensa do Capibaribe, em pleno mês de agosto
Reuniram-se em congresso todos os ventos do mundo;
Àquela planície clara, feita de luz aberta na luz e de amplidão
[cingida,
Onde o grande céu se encurva sobre verdes e verdes, sobre lentos
[telhados,
Chegaram os mais famosos, os mais ilustres ventos da Terra:
– Mistral, com seus cabelos de agulha, e os seus frios de dedos
[finos,
– Simum, com arrepiadas, severas e longas barbas de areia
[quente,
– Harmatã, em fúrias gloriosas e torvelinhos, trazidos da Costa
[da Guiné,
Representante das margens do Nilo credenciou-se Cansim,
E Garbino, enviado das praias catalãs.
Vieram as Monções das margens do Oceano Índico,
Os ventos da Tundra siberiana vieram. . .
E os Alísios desceram do Equador, clandestinos,
Num grande transatlântico.
Chegaram ainda os ventos da América:
– Barinez, respirando doçuras de rios azuis, afluentes do
[Orenoco,
– Pampeiro, eremita e solidão de horizontes sub-andinos,
– Minuano, assobiando longamente a tristeza ritmada das
[coxilhas..
Também os ventos nordestinos se acharam presentes:
O Nordeste e o Sudeste; os ventos Banzeiros,
O Aracati das praias cearenses,
O vento Terral, velho boêmio das madrugadas.
Ventos, muitos e todos, ventos de todos os desertos,
De tempestades selvagens, de escuramente outonos. . .
Nesse congresso em tantas veemências se afirmaram
Quanto em glória e rebeldia se exprimiram. . .
Com açoites e eloqüentes rajadas falou Harmatã;
Com citações de Esopo e de La Fontaine
Comparou as vantagens da energia do sol e a do vento,
Descreveu com minúcia os modernos fornos solares
E admitiu o emprego futuro de ventos magnéticos.
Depois que Cansim relembrou o seu feito guerreiro
Envolvendo em altas nuvens de areia as legiões do rei Cambises
– Isto, há mais de dois mil anos –
Garbino repetiu com sopros noturnos e vagarosos
A velha história do abandono e desprezo dos ventos
Agora, solitários, vagando por todos os quadrantes.
A assembléia inteira levantou-se amotinada;
Um vendaval sem freio, um furacão,
Percorreu aquelas instâncias de planície tranqüila;
Uma onda de revolta se ergueu contra os motores,
Contra os ventiladores e os túneis de vento.
Mas apesar daquele tumultuoso debater de línguas meteóricas
Podia-se ouvir muito bem a voz lamentosa do Nordeste:
– Eu que, há trezentos anos, desembarquei das velas do almirante
[Loncq
Na praia de Pau Amarelo,
Que tremulei nas flâmulas e nas bandeiras das naus de D. Antônio
[de Oquendo
Aqui estou, nesta várzea, reduzido a professor de meninos:
Hoje vivo ensinando a empinar papagaios. . .
Voltando a calma, em alentos de aragens murmuradas,
Terral contou como ajudava as plantas nos amores:
– Levando nas dobras do seu manto o pólen das anteras,
Velivolvendo e suspirando entre ramagens.
Por fim, sucederam-se festas, danças de roda. . .
Músicas e cantos de longes mares tempestuosos,
Rodopios, volteios, caprichos, remoinhos, piões e parafusos. . .
– Com sestros de capoeira exibiram-se o vento Banzeiro e o
[Sulão.
Barinez leu uma mensagem de Romulo Gallegos,
Minuano disse um poema de Augusto Meyer.
E já pelos dias finais daquele mês todos partiram. . .
Erguendo o seu vôo sobre as nuvens varzinas
Regressaram, um após outro,
Para as noites e as tormentas das suas terras natais.
O último que se pôs a caminho foi o vento Aracati:
– Cortou uns talos de chuva
Com eles fez uma flauta
E se foi, tocando e dançando,
E se foi pela estrada de Goiana.

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